Isso tudo sem deixar de lado um bom trabalho de revisão, o romance e a juventude
De uma coisa todo jornalista que se preze sabe: entrevistado nenhum pode exigir ver o texto de uma entrevista antes dela ir ao ar. Mas, de vez em quando, a vida tem dessas, de pregar uma peça na gente. Oi, eu sou a Ana Clara Reis e você já deve ter lido algum texto meu por aí. Se sim, sabe que eu amo ser impessoal, fugir do óbvio e uso meu espaço aqui na Julietta para isso ── talvez um pouco errada, mas sempre humanizando o jornalismo com a minha carinha.
Se você caiu aqui de uma toca do coelho desconhecida, muito prazer! Faz alguns meses que fizemos um especial sobre escritoras e eu fui a idealizadora da ideia. Acredito que algumas autoras tenham ficado muito gratas, mas eu não posso dizer exatamente o mesmo da minha equipe: elas foram surreais, dedicadas e prontificadas; mas ralaram muito para entregar um bom resultado, ficando bem cansadas. E talvez você pense: “mas ser jornalista não é isso?”, e de fato é. Mas é saber conciliar sua vida pessoal e seus limites com a vida profissional também. De toda forma, para cada uma das meninas que estiveram comigo nessa: eu amo vocês, e nunca vou deixar de agradecer por embarcarem nas minhas aventuras. Para cada autora, obrigada por fazerem o seu trabalho tão bem, por o amarem com todo coração, mesmo que não recebam o reconhecimento necessário sobre isso. E para todas as nossas leitoras ── e leitores que caem na toca de vez em quando ──, obrigada por serem o fôlego da nossa revista.
Antes que você se questione sobre essa introdução gigantesca, eu preciso te explicar uma coisa: quando criança, aprendi que devemos honrar as pessoas que estão com a gente. É por isso que hoje abrimos nossa segunda edição do especial de autoras com uma escritora mais do que especial. Eu sei que você pode achar que sempre dizemos isso, mas ela é mais do que especial. Como o pretérito-mais-que-perfeito, “saca”? Bem carioca da minha parte agora, inclusive.

Milly tem três livros já publicados, além de uma carreira de treze anos escrevendo pra internet. (Imagem/Arquivo Pessoal)
A vida e história de Milly Ricardo
“Eu adorei essa pergunta e eu vou responder a mesma coisa que respondi no dia na entrevista para a Julietta: apesar de parecer uma insanidade, eu certamente escolheria trabalhar com a Miranda Priesly de ‘O Diabo Veste Prada’. Eu lido muito bem com desafios e gosto de me desafiar. Eu costumo dizer que nunca estou na minha zona de conforto e que nem sei se ela existe de tanto que não me acomodo nela quando o assunto é trabalho. Ela [Miranda] tiraria o melhor de mim”, afirmou Milly Ricardo (23), mulher, autora brasileira e revisora da Julietta.
Millena Ricardo teve seu primeiro encontro com a revista por intermédio da namorada, Helena Nolasco, que foi uma das autoras entrevistadas em nosso primeiro especial. Quando as inscrições para fazer parte da equipe foram reabertas, Helena encaminhou para Milly que, muito alegremente, se inscreveu ── sempre seremos gratas à diva por isso, então, beijos Helena!
A vida artística de Milly começou como Millena numa cidade pequena no litoral catarinense, bem coisa de artista. E, até sua adolescência, ela achava que seria atriz. Sua trajetória pode não ser um filme, mas tem caráter de um. Quando criança, ela queria ser atriz e roteirista de cinema.

Milly em 2015 enquanto tentava se colocar no meio artístico. (Imagem/Arquivo Pessoal)
“Eu sempre quis estar no meio artístico. Eu fazia artes, teatro, dança e, nesse percurso de ‘vou ser atriz, vou ser atriz’, eu precisava de um nome artístico. ‘Millena’ é um nome muito comum. E falando com uma melhor amiga na época, ficamos tentando pensar em apelidos que fossem fortes. Um dia ela chegou e me chamou de ‘Milly’, e isso ficou na minha cabeça”, compartilhou a autora sobre o pseudônimo. A assinatura começou a ganhar vida por intermédio das fanfics que escrevia na adolescência, “o que foi muito bom, porque minha família não sabia que eu escrevia na internet”, acrescentou.
Por muito tempo, Milly carregou a certeza de que seu caminho seria de atriz para diretora. “Eu queria muito dirigir e escrever séries, era o sonho da minha vida. Desde pequenininha eu dizia que eu ia ser roteirista, era o que achava que fosse fazer [durante a infância inteira]”, comentou.
Entretanto, a autora compartilhou com a Julietta que precisou lidar com uma grande frustração na adolescência ao sair da pequena cidade no litoral para São Paulo aos quinze anos, na intenção de participar do workshop de uma empresa que fazia o recrutamento de atores. “Eu estava numa fase em que me sentia muito feia. Eu me escondia muito, a minha adolescência foi muito conturbada por conta disso. E eu lembro que no meu aniversário de quinze anos, foi quando eu encerrei o meu sonho de ser atriz. […] Eu pedi de presente a viagem para participar do workshop dela em São Paulo, que automaticamente me colocava dentro do casting. Era um valor astronômico para a época, mas a minha mãe bancou e me apoiou. E eu lembro a recrutadora lhar para mim e dizer ‘para eu colocar você em qualquer papel, eu preciso que você perca pelo menos trinta quilos’, e isso foi muito forte para mim”, compartilhou Milly, que estava em um momento desafiador internamente, no meio de uma guerra entre seu peso e seu sonho de carreira.

Um dos últimos eventos antes do workshop que a fez desistir. (Imegem/Arquivo Pessoal)
Depois do episódio, ela decidiu parar de atuar, chegando a fazer teatro novamente durante o terceiro ano do ensino médio. Neste ponto, ela estava decidida a atuar apenas nos palcos, longe da TV. Em parte, o teatro foi o que a ajudou a sobreviver ao ano de cursinho, mas desistiu ao ver que não conseguiria sustentar a atuação como carreira. “A visão de que ator e atriz não paga contas entrou muito na minha cabeça, sabe? […] Eu decidi que se eu fosse, em algum momento, fazer trabalhos como atriz, seria quando eu estivesse financeiramente estável. […] No final das contas, eu virei jornalista, o que também não paga muito bem, então, troquei seis por meia dúzia. Eu não me ajudo. Eu tentei sair de um lugar instável e fui parar em outros dois lugares que me tornam ainda menos estável”, completou em meio à risadas.
Durante o primeiro ano da faculdade de Jornalismo, um de seus professores frisava bastante a necessidade dos alunos escolherem um nome de jornalista. Milly, que até então assinava as matérias e trabalhos com seu nome de batismo , comentou com ele a respeito do lançamento de seu primeiro livro. Foi onde este grande querido lhe deu o alerta que, independente de para onde ela estivesse escrevendo, “Milly” continuaria sendo mais forte ── e que bom, porque amamos chamá-la assim.
As obras de Milly Ricardo

O frio da meia-noite e Como amar uma princesa são as primeiras obras originais de Milly Ricardo. (Imagem/Arquivo Pessoal)
Suas primeiras histórias foram fanfics lançadas ali na faixa de seus nove para dez anos. “Eu digo que tenho carreira na escrita há treze anos já”, brincou Milly. Em março deste ano, ela completou treze anos de escrita na internet.
Teoricamente, Milly tem três obras já publicadas; “O frio da meia-noite”, “Como amar uma princesa” e “Como amar uma rainha”. Em meados para o final do ano passado, “O frio da meia-noite” foi retirado do ar, apesar de ser muito importante para ela. “A minha história com ‘O frio da meia-noite’ é muito complicada. Eu escrevi em 2016, tinha quinze para dezesseis anos. Era uma fanfic na época, em que eu decidi me assumir para mim mesma, me assumir para minha mãe. […] Sou completamente apaixonada pela história. […] Eu reescrevi ela toda em 2020, passei por revisão, por leitura crítica, por diagramação, por todo aquele processo, fiz um financiamento coletivo […] que consegui atingir o valor em vinte e oito dias, no meio de uma pandemia, em que estava todo mundo sem dinheiro. […] Publiquei. Já ‘Como amar uma princesa’ veio ao mundo dois anos depois e, quando publiquei ‘Como amar uma rainha’ em maio do ano passado, voltei para ler essa história e eu já não me identificava com ela ao ponto de dizer ‘eu quero que as pessoas me conheçam por ela’, sabe?”, explicou Milly.
De tudo que Milly já escreveu nesses treze anos, Analice, protagonista de “Como amar uma rainha”, é a personagem criada por ela com quem mais se identifica, seja pelas características físicas ou pelas dores semelhantes às da Milly adolescente.
Carreira, Estados Unidos e Julietta

Milly em Nova Iorque durante seu intercâmbio de au pair. (Imagem/Arquivo Pessoal)
Atualmente, Milly divide seu tempo entre o trabalho como au pair nos Estados Unidos, a carreira como escritora, as aulas dignas de uma série nas universidades americanas e sua participação na Julietta.
Considerações finais de uma jornalista que ama o pessoal
Existem coisas sobre Milly Ricardo que nunca poderiam ser compartilhadas por intermédio de um viés impessoal. Nos últimos meses, eu tive a oportunidade de trabalhar na mesma equipe que ela ── uma jovem que eu considero ter uma história muito bonita.
A autora se identifica com uma mulher lésbica e teve a sensibilidade de compartilhar sobre como foi crescer sem referências que a fizesse normalizar quem ela é. “Eu cresci numa cidade com dez mil pessoas, […] a Netflix chegou na minha vida muito tarde”, contou. De uma família conservadora, as referências sáficas eram demonizadas em seu cotidiano. Eu, em particular, não me identifico com essa dor da Milly; mas consigo sentir todos os dias o quanto ela luta pelo seu lugar no mundo, para ser tratada com respeito, nunca reduzida a um rótulo, mesmo que o vista com orgulho.
“Foi quando fiz a transição das fanfics com personagens héteros para as sáficas que encontrei na minha escrita o meu lugar”, concluiu, por fim.
Talvez, esse seja o melhor jeito de encerrar.
Milly, que a Julietta possa ser também, todos os dias, de alguma forma que não compreendemos, o seu lugar.
Escrito por: Ana Clara Reis.