Usada como metáfora para separar o que está sendo retratado e o mundo real, a quarta parede é um item imaginário que serve literalmente como uma barreira entre a história do filme, série, ou até mesmo uma peça de teatro do telespectador que a está assistindo. O recurso serve para deixar a história mais intensa uma vez que os atores, mergulhados na ficção, agem como se a plateia não estivesse ali.
Entretanto, é muito comum que personagens quebrem essa divisão e interajam diretamente com o público ao dirigir a sua atenção à tela, ou expressar que tem consciência de que está em um filme, rompendo com a expectativa da velha tradição que diz que o ator não deve jamais olhar para a câmera.
Essa quebra de expectativa pode ser usada para vários propósitos: uma piada no meio da cena, aproximar o público da ação, dar uma característica marcante para o personagem…. em “Fleabag”, que talvez seja o primeiro exemplo que vem na mente quando se fala da quarta parede, a personagem principal olha diretamente para quem está assistindo para expressar seus sentimentos mais genuínos.

A genial diretora Phoebe Waller-Bridge, que também interpreta a personagem principal da obra, criou um cenário onde a protagonista está ciente, 100% do tempo, de que o público está assistindo sua vida, tornando-o seu parceiro de cena. Fazendo confissões para o espectador durante toda a trama, “Fleabag” faz com quem está assistindo se sinta parte da história, envolvido cada vez mais naquilo representado, criando uma simpatia fenomenal pela protagonista e seus sentimentos que são tão profundos.
Apesar de parecer mais uma série sobre mulheres em suas crises, Phoebe foi fenomenal em retratar as angústias da personagem-título que perdeu a mãe, a melhor amiga de forma trágica e que tem uma relação tão conturbada com a irmã, que é com certeza o elo mais forte e importante da série. Tudo isso enquanto olha diretamente para o público e se confessa, criando uma relação íntima que faz com que a drama seja tão única.
Como a protagonista é a única personagem capaz de se conectar com o público pela quarta parede, sem que mais ninguém na história perceba, surge uma relação tão singular com o espectador que é como se fossem de fato melhores amigos, com uma percepção de que só ele conhece profundamente a personagem e suas opiniões verdadeiras. De fato, quando você está assistindo uma série em que a protagonista para tudo que está fazendo para olhar diretamente para a câmera e usar o pronome “você” para se expressar, fica difícil não se sentir íntimo e especial.
Da mesma forma que essa relação é íntima, ela é também um segredo! Só ela é capaz de falar com o espectador e mais nenhuma outra personagem pode saber disso, uma vez que a personagem confessa seus sentimentos e pensamentos verdadeiros sobre os demais.

A ansiedade para a próxima vez que a própria “Fleabag” vai se esconder das outras personagens e falar com o público é mais um dos fatores que tornam a série tão boa e especial. É viciante, você nunca sabe quando vai acontecer e é isso que torna tão legal e ao mesmo tempo angustiante nas vezes em que ela parece se afastar de nós e focar nos personagens que estão, de certa forma, dentro da tela.
Além disso, a série retrata de uma forma muito bonita e complexa a relação entre irmãs, uma vez que a com a dela por si própria já é bem difícil. Dessa forma, permite que o público adentre em todo esse sentimento que foge do tradicional amor romântico retratado na grande maioria dos dramas.
A forma eficaz com que Phoebe Waller-Bridge escolheu reproduzir a famosa quebra da quarta parede foi fundamental para a excelência da série, sendo inovadora em diversos aspectos e essencial na relação com o público, que é capaz de conhecer mais profundamente a protagonista a cada episódio. Se depois disso tudo você também ficou com vontade de assistir a série que foi destaque no Emmy Awards de 2019, com 4 estatuetas, suas duas temporadas estão disponíveis no Prime Video e a Ju recomenda demais!
Escrito por: Clara Carneiro